16 novembro 2007

um conto

Da infância e de gatos

Sempre fora dado a taras. As pequenas perversões eram seu passatempo predileto quando moleque de calças curtas.Tinha a obsessão do sexo, e nada o encantava mais que assistir o ato dos gatos vadios no teto da casa do vizinho.

Uma senhora entrada em anos, moradora do prédio ao lado, jogava água do peitoril de sua janela, excomungando os animais, pequenos felinos joguetes de seus mais baixos desejos carnais.

ÃNCIA (energética): Pro inferno com seu ronronar pecaminoso, bichanos do Satã.

A torpe repulsa da sacrossanta anciã causara forte impressão sobre a mente pueril e imberbe do garoto. A imagem do sexo público sendo condenado pelos olhares exteriores alojou-se no psique do rapaz, naquele ponto somente despertado pela lisergia ou pela pederastia.

Na idade de masturbação, o amor solitário, foi com extrema culpa que passou a cultuar Onã. Pós todo momento de coito individual o sentimento de culpa lhe remoia as entranhas. Pensava em Jesus e em como suas chagas doíam toda vez que seu pênis ejaculava. Aquele caldeirão de fluídos fez de seu esperma um mistura heterogênea de pus e porra. Na idade da nasce doura cabeleira pubiana, o momento do prazer era o momento do remorso. Fazia promessas a papai do céu:

EU-LÍRICO (suplicante): Depois dessa vez, um mês ficarei sem me prolongar no banho! Juro Juro Juro! Swear to you meu querido jeusinho!

Essas promessas resultavam em maiores ato de auto-flagelação, pois danavam em ser somente promessas enessas mentiressas descumpridas. E da-lhe chicotadas nas costas! E da-lhe joelho no milho! E da-lhe nariz tampado, ‘não vou respirar até o arrependimento vir, uma gozada vale menos que minha alma imortal!’

Entrando em anos

Eis que (nada mais natural) chegou a idade do namoro, de conhecer o sexo oposto, meninos tem pênis, garotas tem vaginas. Resistir aos impulsos de uma imaginação lasciva é um desafio, agora lutar contra a volúpia silenciosa de uma costela é tarefa hercúlea demais, que somente alguns helenos e aqueus conseguem suportar. Mas aí estava tudo bem para o nosso senhor, afinal tem algum trecho naquele livrão que menciona um crescei vos e multiplicai vos. Babooshka Babooshka Babooshka ia ia. Resolvido o trauma juvenil.

Mas algo ficara entranhado que a educação e o hábito não conseguiram apagar. Não não, Freud ou Fode algum resolvem os traumas, aqueles da música do Roberto. Por mais intimidade que tivesse com a namoradinha da vez, havia sempre a repulsa ao fluído. As chagas do Leão de Judá lhe perturbavam a cabeça. Imergido no caldeirão pecaminoso, achava condenável o humano ato de cagar, de soltar fluido. Coriza, deus me livre! E achava condenável o bocejo. Aliás, sentia verdadeira ojeriza ao bocejo. Sônia, namoradinha mais firme que arranjara, cometeu certa vez a idiossincrasia de soltar um bocejo, desses de leão da metro golden mayer. Foi condenada na hora da execução do ato.

EU-LÍRICO (sério): Mamãezinha, te acho uma lindeza, gosto a beça, de você, mas faça o favor de não bocejar na minha frente de novo!

SÔNIA (rindo solta): Que bobagem queridinho. Que mal há? Hein? Um bocejo, coisa natural.

EU-LÍRICO (impassível): Pra mim não senhora, não admito! Entende? Não admito. Gosto de uma certa distância. Entende? Pra manter o encanto. Entende. Parece que você está com preguiça de mim. Entende? Tédio tédio, chato chato. Amor é cheiro louco de jasmim, que nem no poema daquele baiano.

E com essa mentira, saiu, justificando sua repulsa ante o ser amado. Mas a maior de suas perturbações, aquela aquela, ele guardava só pra ele. E por enquanto por enquanto, nem o leitor deve saber do que se trata.

A Maturidade, o Casamento, os anos do Crepúsculo

E assim, foi levando, como dizem os narradores em terceira pessoa de causos populares. Do foi levando, foi levado, e os anos foram-se somando no um mais dois tem-se cinco aqui, logo ali, aprendeu-se a falar o francês, e comprou um carro usado. Do porre aqui, prisão ali, tem-se uma graduação. Só o espectro do sexo, sempre presente. Namoradas, noivas, namoradas, solidões. Nada de diferente, de lírico, de misterioso e digno de ser relatado nessas linhas.

Foi-se como um preguiçoso nada dado a caminhos diferentes dos hábitos já testados e aprovados por parcela majoritária da humanidade, decidiu contrair matrimônio. Na véspera da cerimônia, fez uma revelação a seu amigo e padrinho do rito católico. Revelação de ébrio (recurso narrativo do contista preguiçoso)

EU-LÍRICO (com a baba bovina do bêbado): Sabe uma merda, que eu tenho bloqueio queridão?

PADRINHO: (com o olho rútilo do embriagado): Dar o rabo?

(risadas)

EU-LÍRICO (soluçando): Nada disso my friend! Esse meu problema é um pinto! Acontece que eu caso amanhã com uma moça que eu gosto. Gosto as pampas. E melhor que isso. Tenho uma boa intimidade. Me é conveniente o casamento. Tudo ótimo. Afinal tenho um baita medo da solidão. Resolve-se isso com o casamento.

PADRINHO: (com a impaciência proporcionada pela cerveja): Prossiga embaixador! Nada de voltas e meias, bota pra fora, ejacula rapaz!

EU-LÍRICO (com arranques e engolindo as palavras): É justamente esse o problema. Gozo em minha noiva, nos peito, por toda ela. Não tenho pudores. Buraco é buraco, assim como tatu é tatu. Mas, mijar, sabe? Mijar, coisa natural um mijo. Pois é. Nunca mijei na frente de minha noiva. Dar uma cagada? Então? Nada feito. Minha noiva me tem como um robô. Que não caga, e nem mija. Um autentico autômato. Eu escarro vomito, solto qualquer liquido humano diante dela, mas não evacuo diante da minha noiva.

Seu amigo o tranqüilizou com essas tranquilices de amigos. ‘Isso é bobagem, tralá-lá. Bota o terno. Lava o rosto, bota o perfume, vai pra igreja, amanha vai ter canapé e champanha’! Sonhos envolvendo véus e papeis higiênicos entorpeceram seu sono. Tem-se o sim. Tem-se o parla parla. Acaba o nhe nhe nhem do padre. Todos a sua volta, congratulações sem rosto. Muito sorriso, mil palhaços no salão. Arroz a beça, dança de cadeira e pique esconde.

E finalmente a lua de mel. Mera formalidade, nenhum segredo sendo revelado. Estivera quieto nas ultimas horas. Sônia o inquiria ‘por que silêncio meu amor, coisa estranha silêncio, acabou de casar, devia é estar sorrindo, foram todos aqueles canapés que te deram uma indisposição’?

EU-LÍRICO (suando em bicas) Fica fina mon amour, né nada não, né nada não.

Entrou no hotel, na mão do palhaço, vitima dos eflúvios da campanha. Sônia foi pra cama, sinceramente sensibilizada. O agora esposo avisou a ela, ‘vou só ao toalete, coisa de um minuto’. Demorou-se, prolongou-se. Atrás das grossas paredes, Sõnia nada ouviu, até que blam, blam, estampidos, barulhos de bala clichês de hollywood. Entrou correndo no banheiro. Não foi o cocuruto aberto por dois buracos de bala que mais a chocaram, e sim, a merda que sujava todo o ladrilho de toda a superfície do cômodo.

[conto escrito por luciano tiara]

Nenhum comentário: